quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

Como eu sou a conseqüência inevitável de você?

É pergunta pra mocinho
de versos rasos
de dar dó

Hoje eu sei
que sou samba
de uma nota

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

Rebento abençoado na cadeia

- Como você chama?
- Mariângela.
- Ahh... Mariângela. E como chama seu bebê?
- Eu queria chamar ele Daniel, mas o pai dele diz que quer escolher o nome, daí ele não tem nome ainda.
- Então diz pro pai dele que ele vai chamar Daniel, e que ele pode escolher o segundo nome. Porque a gente precisa anotar o nome aqui no livro.
- Tá bom.
- Daniel é um nome abençoado. Profeta Daniel...

segunda-feira, 27 de setembro de 2010

.

- Uma tendência contida de expressão de alguém que não encontra ponto de apoio e referência no mundo e manifesta sua ansiedade latente pela forma imprecisa e hesitante como o ponto se alonga brevemente num restrito traço

OU

como a gota de tinta que eu derrubei no papel foi parar num congresso de Psicologia

domingo, 26 de setembro de 2010

Not ist nötig

- Hat der Lehrer
schon einmal gesagt.

Das verstehe ich gut
bis wann ich einmal sag':

Ich bin die Frau,
die alle Nöte hat.

sábado, 7 de agosto de 2010

Dindinha

Dindinha queria o biscoito na mão do tio, que sorriu pra ela e falou que não podia pegar, que tinha baba de gente grande, e todo mundo sabe que baba de gente grande é cheia de doença. Mas tinha também aquela carinha roliça de menina olhando pra ele, os olhos tomando quase todo o rostinho em forma de pergunta sem fim, e tinha um pacote cheinho de bolachas em cima da mesa, só esperando pra serem mordidas, babadas, derrubadas, pisoteadas e enfim esquecidas. E assim foi feito, como dizia sua avó. O tio tinha seu quadragésimo terceiro alumbramento de olhar Dindinha ser Dindinha, mal se equilibrando sentada no tapete em cima da bundinha gorda de fralda, fazendo um esforço do diabo pra orquestrar boquinha e mãozinha na tarefa diária de mordiscar bolachas - a tarefa mais crucial! A mais importante das tarefas mais importantes! Sim, e sem ironias, se exigia a existência toda de uma pessoa pra acontecer! O tio falou em voz alta pro pacotinho de existência incompreensível: 'Você nasceu com nome de música'. Ela o olhou enquanto derrubava outro teco de farelo empapuçado no chão, e ele sabia que ela tinha entendido. A porta abriu pra fazer o pai entrar, e a boca do pai abriu pra montar um sorriso alargado e dizer obrigado por cuidar da Dindinha e que agora estava tranqüilo porque tinha aberto poupança no banco pra garantir o futuro da pequena. Os dois no tapete olharam pro pai sem entender, e Dindinha não quis chorar, mas o tio quis. Só que não chorou, porque sabia que um dia Dindinha ia ter muitos cachos se enroscando num cabelo armado e ia ser o amor da vida de alguém.

quinta-feira, 5 de agosto de 2010

Arrepio

Nem as línguas

Nem as peles

Nem mesmo as tripas escorrendo no carpete.

O toque

- só -

Não pode

O encontro

quarta-feira, 4 de agosto de 2010

Terças-feiras

Dentro do torso
O salto
infernal
de músculos e artérias e memória que dão de se contrair num susto
[inevitável de corredor depois de, deuses todos, tanto tempo!!

Sob os calcanhares
O salto
infernal
que equilibra sem sucesso o eixo instável de todas as coisas que
[começam e não são nunca terminadas
E também daquelas outras que se imaginam sem fim e acabam num
[grito sem som.

Diante do hiato
O salto
infernal
de alguém que - empurrado - não é por ninguém esperado

do outro lado.

segunda-feira, 26 de julho de 2010

Cada briga, um filho meu apontando o dedo na cara dos outros. Cada um malcriado, empurrando de volta quem o compara com os irmãos. Todos achando que "família" é uma palavra besta de quem junta um com um e quer brincar de psicólogo. Tenho muitos filhos no mundo.

terça-feira, 20 de julho de 2010

A primeira vez

que, pernas bambas sobre o salto, me vi cercada de espelhos e de experiência que não era minha. Pés de tênis e asfalto e chuva agora enfiados numas sandálias sem respeito, que não cedem e nunca estão afim de conversar. Ou estão, e eu que não falo espanhol. Calça comprida e salto, na falta de um vestido aéreo e de modos de menina. Falta de modos, e de lábia para embrulhar as faltas. E como é fácil para os outros! Como é fácil ser os outros! Eles nasceram sabendo! Enquanto eu caminho truncada no tablado de madeira feito bezerro neonato, tentando fazer encaixar o abraço como mandam os outros, como fazem os outros - como diz a voz sem corpo que é feita dos outros!
O cismar com o arco dos braços, o ereto do tronco, o aberto dos passos - o cismar com a educação de um corpo montado a desencaixe não me deixa abraçar.
O preocupar-me com adornos e voleios - o preocupar-me com desenhos não me deixa abraçá-lo!
O apegar-me à marcação do tempo, à fluidez do corpo, à resposta ao movimento
- O apegar-me a saber viver sem ter vivido
não me deixa abraçar
o tango.

segunda-feira, 12 de julho de 2010

Se eu acreditasse em destino, tinha o credo inveterado

Pois que você me chamou de andorinha
sem ler o livro
pra saber
que ela termina a estória
sem seu gato malhado.

sábado, 19 de junho de 2010

1 mês e 13 dias

o
O
o
Faz
sua boquinha
Quase
sem história
Diante do espanto
Que é
sonhar.
o
O
o
Faz
também a minha
Diante do espanto
Que é
saber
Que você

sonha.

terça-feira, 15 de junho de 2010

O signo grego precisa de cumplicidade. Veja só - metade com um, metade com outro. A não ser que o "eu", numa fração de coragem e imprudência, vire um "nós", duas metades de nada formam coisa nenhuma.
Quando os signos dão-se as mãos fica pior: tenho em mãos uma coroa de pétalas que, sem miolo, sem caule, sem troca, só me deixa ler
"adeus"

sexta-feira, 11 de junho de 2010

Corpo fechado

Que é
pra você
Ter
que bater
Pra entrar.

quinta-feira, 10 de junho de 2010

Pra quem era controle
No chão
Todos os telefones são nulos
E virar
Espaçonave
Cai
tão
bem.