Dindinha queria o biscoito na mão do tio, que sorriu pra ela e falou que não podia pegar, que tinha baba de gente grande, e todo mundo sabe que baba de gente grande é cheia de doença. Mas tinha também aquela carinha roliça de menina olhando pra ele, os olhos tomando quase todo o rostinho em forma de pergunta sem fim, e tinha um pacote cheinho de bolachas em cima da mesa, só esperando pra serem mordidas, babadas, derrubadas, pisoteadas e enfim esquecidas. E assim foi feito, como dizia sua avó. O tio tinha seu quadragésimo terceiro alumbramento de olhar Dindinha ser Dindinha, mal se equilibrando sentada no tapete em cima da bundinha gorda de fralda, fazendo um esforço do diabo pra orquestrar boquinha e mãozinha na tarefa diária de mordiscar bolachas - a tarefa mais crucial! A mais importante das tarefas mais importantes! Sim, e sem ironias, se exigia a existência toda de uma pessoa pra acontecer! O tio falou em voz alta pro pacotinho de existência incompreensível: 'Você nasceu com nome de música'. Ela o olhou enquanto derrubava outro teco de farelo empapuçado no chão, e ele sabia que ela tinha entendido. A porta abriu pra fazer o pai entrar, e a boca do pai abriu pra montar um sorriso alargado e dizer obrigado por cuidar da Dindinha e que agora estava tranqüilo porque tinha aberto poupança no banco pra garantir o futuro da pequena. Os dois no tapete olharam pro pai sem entender, e Dindinha não quis chorar, mas o tio quis. Só que não chorou, porque sabia que um dia Dindinha ia ter muitos cachos se enroscando num cabelo armado e ia ser o amor da vida de alguém.