terça-feira, 9 de junho de 2009

Botas e flores
- De ninguém


A voz
do carro-de-som
Se chocou no escudo
E me recebeu
Falando a todos
Falando a ninguém
Falando numa língua que eu não entendo.
O olhar curvo
Da farda
Me olhou de cima
sem se curvar
E eu não pude ver
O homem que morava ali.
Os outros olhos fardados
De trás da curva de acrílico
Se lançavam para a multidão
E não encontravam
Nada
a não ser contas e esposas e chefes.
E medos.
Eu tive medo por eles
Medo deles
E quis tirar suas botas
Que
- olha só -
Pisavam flores
De ninguém.
De mercado
De clichês
- Flores das pessoas que posavam o protesto antes de protestar.

Câmeras
Lá de cima do carro-de-som
Diziam
- Posem mais -
E as fardas
em curva
Apertaram um pouco mais
A garganta do espetáculo.
Aí fumaça
Gritos
Borracha
- De trás do escudo para o centro do palco -
Medo
- De trás do escudo para o centro do palco -
E o escudo
Sem quebrar
Sem cair
Trincou.